O PL nº 1.087/2025 não altera apenas a forma como o Brasil tributa a renda interna. Ele também redefine as bases da tributação internacional sobre dividendos, instaurando um novo regime de retenção na fonte de 10% e criando mecanismos de crédito fiscal compensável para evitar a dupla tributação.
A proposta traduz uma tentativa de equilíbrio: preservar a atratividade do país para o investimento estrangeiro, sem perpetuar a desigualdade entre o contribuinte nacional e o não residente.
Em outras palavras, o Brasil passa a cobrar — mas também a compensar.
A partir de 1º de janeiro de 2026, dividendos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a beneficiários no exterior estarão sujeitos à retenção de imposto de renda na fonte (IRRF) à alíquota de 10%.
A medida encerra a isenção generalizada que vigorava desde a Lei nº 9.249/1995 e insere o Brasil na lógica das economias que tratam a distribuição internacional de lucros como renda tributável — e não como mera remessa financeira.
O alcance da regra é amplo. Envolve:
lucros distribuídos a controladores estrangeiros;
dividendos pagos a fundos internacionais;
transferências de lucros para empresas vinculadas fora do país.
Mas há exceções relevantes, voltadas a preservar o fluxo de capital institucional:
governos estrangeiros com reciprocidade tributária;
fundos soberanos;
entidades previdenciárias internacionais, que administram planos de aposentadoria e pensão.
Essas exclusões demonstram a intenção de distinguir a renda especulativa da renda institucional — um ponto crucial para evitar fuga de capitais de longo prazo.
Para impedir que o mesmo lucro seja tributado duas vezes — na empresa brasileira e no país de destino —, o PL cria um mecanismo de crédito fiscal compensável.
Funciona assim: se a soma da carga efetiva de IRPJ e CSLL na empresa brasileira com os 10% de IRRF sobre dividendos exceder os limites nominais de 34%, 40% ou 45%, o beneficiário no exterior poderá pleitear um crédito tributário correspondente à diferença.
Os limites variam conforme o setor da fonte pagadora:
34% para empresas em geral;
40% para seguradoras, instituições financeiras não bancárias e entidades equiparadas;
45% para bancos e instituições financeiras plenas.
O crédito é pleiteado diretamente pelo beneficiário — residente ou domiciliado no exterior — no prazo de até 360 dias após o encerramento do exercício fiscal.
A regulamentação posterior definirá a forma do pedido e a operacionalização entre administrações tributárias, mas o princípio está dado: ninguém deve pagar acima do teto combinado de tributação global.
O mecanismo do crédito fiscal coloca o Brasil em sintonia com os padrões internacionais de neutralidade tributária, especialmente com as recomendações da OCDE no âmbito do projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting).
Ele reconhece que a tributação sobre dividendos é legítima, mas precisa respeitar os limites da carga combinada global para não desestimular o investimento produtivo.
Na prática, o sistema cria um duplo efeito regulatório:
Evita a erosão da base tributável interna, impedindo que grandes conglomerados repatriem lucros sem tributação.
Assegura previsibilidade jurídica aos investidores estrangeiros, que passam a conhecer o teto efetivo de tributação no Brasil e podem compensar eventual excedente.
Essa previsibilidade é o diferencial. Diferente do modelo anterior — onde a isenção era ampla, mas precária —, o novo regime combina incidência moderada com estabilidade normativa, oferecendo clareza aos fluxos de capital internacional.
O impacto será direto para grupos empresariais com controladoras fora do país e para estruturas de holdings internacionais.
Essas entidades precisarão revisar:
seus planos de distribuição de lucros;
os contratos de repatriação;
e a coordenação de tratados internacionais de bitributação.
A retenção de 10% e o crédito fiscal atuarão como pontos de convergência entre a legislação doméstica e os acordos bilaterais já firmados. Onde houver tratado, o benefício prevalecerá; onde não houver, a regra do crédito nacional servirá como válvula de equilíbrio.
O Brasil, que até pouco tempo figurava como exceção entre os países que não tributavam dividendos, passa a alinhar-se ao princípio da tributação pelo benefício: quem aufere renda a partir da economia brasileira deve contribuir, ainda que parcialmente, para o seu financiamento.
Tributar dividendos remetidos ao exterior é mais do que um ajuste fiscal — é uma afirmação de soberania.
O Estado brasileiro passa a dizer que não haverá renda invisível, e que o capital estrangeiro que se beneficia do mercado interno participará, ainda que de modo moderado, do esforço coletivo de sustentação da economia.
Mas o tom do projeto é pragmático, não ideológico. A alíquota de 10% é moderada; o crédito fiscal é técnico; e as exceções são funcionais.
O modelo busca equilíbrio, não confronto.
Trata-se de uma política de inclusão tributária internacional, não de restrição de investimentos.
Com o PL dos Dividendos, o Brasil dá um passo importante rumo a uma diplomacia fiscal moderna, que reconhece o papel dos fluxos internacionais de capital, mas impõe regras claras de contribuição.
A nova tributação sobre dividendos remetidos ao exterior é, em última instância, uma afirmação de maturidade econômica: o país deixa de competir pela isenção e passa a competir pela estabilidade.
Na economia global, a confiança fiscal vale mais do que a alíquota zero.
E esse pode ser o verdadeiro ganho estratégico do novo modelo.
Chambarelli Advogados acompanha a reconfiguração da tributação internacional e assessora grupos empresariais, holdings e investidores estrangeiros na adequação às novas regras de retenção e compensação fiscal.
Nosso núcleo de Arquitetura Jurídica™ Internacional atua na estruturação de políticas de repatriação, coordenação de tratados e planejamento tributário global alinhado ao novo marco regulatório.
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Guilherme Chambarelli
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