O Projeto de Lei nº 1.087/2025 inaugura uma nova camada no sistema de tributação brasileiro: a tributação mínima anual das altas rendas.
A medida, que entrará em vigor a partir do ano-base de 2026, é mais do que um ajuste técnico — é um novo instrumento de política fiscal, criado para enfrentar uma distorção estrutural: o descompasso entre riqueza real e renda tributável.
Nos últimos anos, consolidou-se uma percepção — e uma realidade — de que grandes fortunas e rendas elevadas conseguiam escapar do radar tributário por meio de estruturas jurídicas e financeiras complexas. O mecanismo da tributação mínima vem para romper essa assimetria e estabelecer um piso de contribuição efetiva para quem acumula rendimentos expressivos.
A essência do dispositivo é simples, mas seu alcance é profundo.
A partir de 2026, qualquer pessoa física cuja soma de rendimentos supere R$ 600.000,00 no ano estará sujeita a uma alíquota mínima obrigatória de imposto de renda, calculada sobre a totalidade dos ganhos — ainda que parte deles seja proveniente de fontes até então isentas, exclusivas ou de tributação reduzida.
O objetivo é assegurar que nenhuma renda expressiva escape completamente da incidência do imposto. Trata-se de uma camada adicional de tributação, aplicada sobre a renda global do contribuinte, após a consolidação de todos os ganhos e deduções já realizadas no IRPF tradicional.
O mecanismo é progressivo:
Para rendimentos entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão, a alíquota cresce linearmente de 0% a 10%;
Acima de R$ 1,2 milhão, a alíquota mínima é fixa em 10%.
Na prática, o contribuinte calculará o IR devido normalmente e, em seguida, aplicará a regra da tributação mínima. Se o resultado for maior do que o imposto já pago (somando IRPF, retenções e tributações definitivas), ele recolhe a diferença.
Se for menor, nada muda — a tributação mínima atua apenas como um piso, não como um teto.
A grande novidade está na amplitude da base de incidência.
A lei determina que a soma dos rendimentos englobe praticamente todas as formas de receita auferidas no ano: rendimentos tributáveis, exclusivos, definitivos e até isentos.
Mas há exceções importantes — o legislador protegeu alguns instrumentos de poupança e investimento voltados à economia real. Ficam fora da base, por exemplo:
rendimentos de poupança;
LCI, LCA, CRI, CRA e debêntures incentivadas;
fundos imobiliários (FII) e Fiagro com mais de 100 cotistas;
indenizações trabalhistas e por danos materiais ou morais;
lucros e dividendos apurados até 2025, aprovados e distribuídos conforme o cronograma original.
O resultado é uma base ampla, porém calibrada: tributa-se a renda efetiva, mas preserva-se o estímulo a instrumentos de financiamento produtivo e de investimento de longo prazo.
A tributação mínima anual não é apenas um mecanismo de arrecadação. É um símbolo de coerência sistêmica.
Pela primeira vez, o sistema tributário brasileiro passa a impor um patamar mínimo de contribuição sobre quem concentra grandes fluxos de capital, mesmo que boa parte dessa renda seja formalmente isenta.
Em outras palavras: quem ganha muito, sempre pagará algo — ainda que use instrumentos sofisticados de planejamento ou fontes de rendimentos privilegiadas.
É o retorno a uma lógica de justiça fiscal que havia se perdido na fragmentação das isenções.
A medida também funciona como antídoto à erosão da base tributável, fenômeno observado nos últimos anos com o aumento das estruturas de pessoa jurídica criadas exclusivamente para abrigar rendimentos de natureza pessoal.
O dispositivo da tributação mínima se conecta diretamente com a nova retenção de 10% sobre dividendos.
Esses valores retidos comporão o cálculo do piso anual, podendo ser deduzidos para evitar duplicidade.
A integração entre os dois mecanismos cria um sistema de dupla checagem: os dividendos passam a ser tributados na fonte, e a Receita Federal poderá verificar, no ajuste anual, se a soma de todos os rendimentos ultrapassa o mínimo exigido.
Na prática, a tributação mínima é o elo de fechamento do novo modelo de imposto de renda: garante que o contribuinte de alta renda pague uma carga efetiva compatível, independentemente de como distribui ou estrutura seus ganhos.
O novo regime exigirá um salto qualitativo na governança tributária das pessoas físicas de alta renda.
A Receita Federal passará a cruzar informações de múltiplas fontes — aplicações financeiras, rendimentos empresariais, dividendos e ganhos de capital — para consolidar a renda global do contribuinte.
A tendência é que, a partir de 2027, a declaração pré-preenchida se torne o padrão para esse público, reduzindo brechas e aumentando a rastreabilidade patrimonial.
Para o contribuinte, a melhor estratégia será antecipar-se ao controle, adotando uma postura ativa de compliance e integrando suas estruturas contábeis, empresariais e patrimoniais em um único fluxo de dados.
O cerco à renda não declarada não é um gesto punitivo. É uma reconstrução do pacto fiscal brasileiro sob bases de proporcionalidade e transparência.
O contribuinte de alta renda deixa de ser invisível ao sistema — e passa a responder de forma previsível, parametrizada e tecnicamente mensurável.
O desafio será o equilíbrio: garantir que a busca por justiça tributária não se converta em complexidade desnecessária.
Porque a equidade fiscal só se sustenta se vier acompanhada de segurança jurídica, clareza normativa e eficiência operacional.
Chambarelli Advogados acompanha de forma contínua a implementação da tributação mínima de altas rendas e seus desdobramentos para investidores, executivos e holdings familiares.
Nosso time de Arquitetura Jurídica™ atua na modelagem de estruturas patrimoniais e na análise estratégica de conformidade fiscal no novo cenário pós-reforma.
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Guilherme Chambarelli
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