
O Direito Tributário, quando confrontado com as estruturas societárias e estratégias de planejamento patrimonial, nos apresenta desafios que exigem do intérprete não apenas técnica, mas também sensibilidade para compreender os efeitos econômicos e jurídicos das decisões judiciais. Um exemplo claro dessa complexidade é a discussão sobre a imunidade do ITBI na integralização de capital social, atualmente em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.348 da Repercussão Geral.
A Constituição Federal, em seu artigo 156, §2º, I, prevê a imunidade do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) para a transferência de bens imóveis realizada como forma de integralização de capital em pessoa jurídica. Contudo, essa imunidade traz uma exceção: “salvo quando a atividade preponderante da sociedade for a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de imóveis.”
É justamente essa ressalva que tem gerado insegurança. Estaria ela aplicável à operação de integralização de capital, ou se dirigiria apenas a casos de reorganizações societárias, como fusão, incorporação ou cisão?
No julgamento do Recurso Extraordinário 1.495.108/SP, o ministro relator Edson Fachin apresentou voto que resgata o entendimento firmado por Alexandre de Moraes no Tema 796 da Repercussão Geral. Naquela ocasião, o STF já havia reconhecido que a imunidade do ITBI é incondicionada até o limite do capital a ser integralizado, independentemente da atividade econômica da empresa recebedora do imóvel.
Fachin reforça que a ressalva constitucional — “salvo se” — refere-se apenas às hipóteses de reorganização societária, não incidindo sobre a integralização de capital. O voto realiza um passeio histórico pelas diversas reformas constitucionais, desde a Emenda Constitucional n. 18/1965, para demonstrar que a redação atual da Constituição de 1988 optou por separar essas hipóteses, mantendo a imunidade plena na integralização.
Essa leitura foi acompanhada pelo Ministro Alexandre de Moraes, e referendada pela Procuradoria-Geral da República, que em parecer técnico sustentou a tese da imunidade tributária incondicionada.
Se prevalecer esse entendimento, o STF estabelecerá que não incide ITBI sobre a transferência de imóvel para fins de integralização de capital, mesmo que a empresa tenha como atividade principal a exploração imobiliária.
Essa decisão tem impacto direto sobre:
Startups e holdings patrimoniais, que frequentemente usam imóveis como forma de capitalização;
Investidores e estruturas de planejamento sucessório, que buscam eficiência jurídica e tributária;
Segurança jurídica nas operações de aumento de capital, especialmente no setor imobiliário.
Do ponto de vista prático, a exclusão da imunidade nos casos de atividade preponderantemente imobiliária sempre gerou entraves — muitas vezes desestimulando a integralização de bens imóveis em sociedades, especialmente quando utilizadas como veículos de proteção patrimonial. A tese agora defendida no STF reconhece que a imunidade decorre da própria lógica de capitalização empresarial, sendo uma garantia constitucional que não deve ser afastada em razão da atividade exercida pela sociedade.
Trata-se de uma leitura constitucional mais afinada com os princípios da livre iniciativa e da livre constituição de empresas. Ao garantir que o ITBI não seja um entrave à integralização, a Corte reforça a segurança jurídica de operações que são, em essência, estruturantes para a economia.
Ainda que o julgamento do Tema 1.348 não tenha sido finalizado, o placar já indica uma tendência pró-contribuinte. A consolidação desse entendimento pelo STF uniformizará o entendimento entre os tribunais e administrações tributárias municipais, eliminando uma das principais dúvidas jurídicas envolvendo a imunidade do ITBI.
Para investidores, empreendedores e gestores de patrimônio, trata-se de uma excelente notícia — e uma oportunidade para revisitar planejamentos tributários e societários à luz desse novo paradigma.
07/12/2022
Guilherme Chambarelli
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