
A discussão sobre a incidência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) em distribuições desproporcionais de dividendos voltou ao centro do debate tributário. Embora o Código Civil (arts. 1.007 e 1.053) permita expressamente que sociedades limitadas adotem critérios de rateio que não correspondam à proporção do capital social, desde que previstos no contrato, a interpretação fiscal vem criando um ponto de tensão.
Do ponto de vista normativo, não existe hoje regra legal que enquadre a distribuição desproporcional de dividendos como hipótese de incidência do ITCMD.
O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024 chegou a prever dispositivo que equiparava tais distribuições — quando realizadas por mera liberalidade e sem justificativa negocial — a doações tributáveis pelo imposto estadual. No entanto, esse trecho foi suprimido na versão final aprovada pela Câmara dos Deputados.
Em tese, portanto, o recado legislativo seria de afastar a incidência automática do ITCMD.
Apesar disso, decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) têm caminhado em sentido oposto.
Caso 1 (proc. 1089011-58.2023.8.26.0053): empresa familiar distribuiu 90% dos lucros a filhos que detinham apenas 2% das quotas, enquanto os pais, com 98% de participação, ficaram com 10%. Para o tribunal, a ausência de propósito negocial caracterizou a operação como doação disfarçada.
Caso 2 (proc. 1087688-18.2023.8.26.0053): holding imobiliária familiar distribuiu lucros muito acima da proporção das quotas a um dos filhos. O TJ-SP manteve a autuação, destacando que a posterior doação de quotas pelo pai apenas reforçava o caráter de liberalidade das distribuições anteriores.
Em ambos, a conclusão foi a mesma: sem justificativa empresarial plausível, a distribuição desproporcional equivale a uma doação tributável.
Enquanto o TIT de São Paulo tem seguido essa linha mais restritiva, julgando recentemente três casos em desfavor dos contribuintes, há decisões em sentido contrário.
O TJ-SC (proc. 5005960-13.2022.8.24.0000), por exemplo, reconheceu a autonomia dos sócios para definir critérios de rateio e afastou a incidência do ITCMD, justamente por não haver previsão legal expressa que transforme distribuições desproporcionais em doação presumida.
Essa divergência demonstra que o tema ainda está longe de pacificação, devendo futuramente ser enfrentado pelos tribunais superiores.
A chave interpretativa está na existência (ou não) de propósito negocial. Se a distribuição desproporcional reflete contrapartidas objetivas — como maior dedicação de um sócio, desempenho específico ou estratégia de reinvestimento —, a operação tende a ser considerada válida.
Se, ao contrário, traduz mera liberalidade de um sócio em benefício de outro, os tribunais paulistas têm entendido tratar-se de fato gerador do ITCMD.
O debate sobre a distribuição desproporcional de dividendos e o ITCMD permanece juridicamente instável. De um lado, o Código Civil confere ampla liberdade contratual; de outro, os fiscos estaduais e parte da jurisprudência procuram requalificar operações sem propósito econômico em doações disfarçadas.
Até que haja definição pelos tribunais superiores ou pelo legislador, o risco fiscal persiste. Cabe às sociedades estruturar contratos claros, registrar fundamentos negociais consistentes e documentar as deliberações societárias que justifiquem a adoção de critérios diferenciados de distribuição.
No Chambarelli Advogados, assessoramos empresas e famílias empresárias na estruturação societária e tributária, reduzindo riscos e garantindo que planejamentos patrimoniais e sucessórios sejam feitos com segurança jurídica.
16/11/2022
Guilherme Chambarelli
10/09/2025
Guilherme Chambarelli
16/09/2025
Guilherme Chambarelli