
Uma decisão do CARF reacendeu o debate sobre a distribuição de dividendos lastreados em ajustes a valor justo (AVJ) e seus reflexos tributários. Na autuação, a fiscalização entendeu que a distribuição de lucros com base em AVJ de imóvel configuraria “realização” do ganho e, portanto, fato gerador de IRPJ/CSLL. O colegiado, contudo, afastou a tese fazendária: distribuir dividendos, por si, não realiza o ativo para fins do art. 13 da Lei 12.973/2014.
Tradução prática: enquanto o ativo não for depreciado, amortizado, exaurido, alienado ou baixado, o AVJ permanece um ganho potencial evidenciado em subconta; não integra o lucro real e não dispara IRPJ/CSLL.
A decisão preserva a neutralidade fiscal do AVJ e respeita a capacidade contributiva: não se tributa o que ainda não virou caixa nem se transformou em disponibilidade econômica ou jurídica. Mas o tema extrapola a esfera tributária. Distribuir lucros com base em valorização contábil não realizada pode produzir tensões de liquidez, riscos de descumprimento de covenants e questionamentos sobre o dever de diligência dos administradores.
Regra-matriz: o art. 13 da Lei 12.973/2014 difere a tributação do AVJ quando evidenciado em subconta vinculada, e limita o conceito de “realização” a eventos objetivos (depreciação, amortização, exaustão, alienação, baixa).
Efeito: dividendos distribuídos a partir de lucro contábil influenciado por AVJ não alteram a natureza do ajuste nem antecipam tributação.
Mensagem: contabilidade pode reconhecer valor; o imposto só chega quando existir realização definida em lei.
Mesmo sem gatilho tributário imediato, a distribuição de resultados amparada em ganhos não monetários exige processo decisório robusto. Três perguntas obrigatórias no conselho/diretoria:
Há caixa suficiente? (fluxo operacional, reservas, necessidades de capital)
O risco de reversão do AVJ é material? (volatilidade de mercado, testes de recuperabilidade)
Existe política de lucros que trate “resultados não realizados”? (reserva específica, critérios objetivos)
A legislação societária oferece ferramentas prudenciais (como reserva para lucros a realizar) que atenuam o descompasso entre lucro contábil e capacidade de pagamento. Ignorá-las pode converter um acerto tributário em erro de gestão.
Antes de deliberar dividendos com AVJ relevante no resultado:
Mapeie o componente não realizado do lucro (reconciliação entre lucro contábil, caixa e AVJ em subconta).
Simule cenários de estresse de liquidez (sensibilidade de juros, vacância, preços, rolagem de dívida).
Avalie covenants e compromissos contratuais (limites de alavancagem, índices de cobertura, restricted payments).
Considere reserva de lucros a realizar quando o componente não monetário for significativo.
Registre o processo decisório (pareceres contábeis/financeiros, nota técnica jurídica, ata circunstanciada).
Alinhe políticas contábeis e de distribuição (consistência temporal, critérios objetivos, transparência ao mercado e aos sócios).
Fisco: autuações que tentem “requalificar” dividendos como realização — mitigue com subconta bem evidenciada, conciliações periódicas e aderência literal ao art. 13.
Sócios/acionistas: questionamentos por falta de diligência se dividendos pressionarem o caixa — mitigue com análise de solvência, reservas prudenciais e documentação decisória.
Credores: alegações de violação de covenants — mitigue com comunicação prévia, waivers quando necessário e testes de estresse antes da deliberação.
Tratar AVJ como caixa: confundir lucro contábil com liquidez.
Ignorar subcontas: falta de rastreabilidade contábil abre brecha a autuação.
Subestimar volatilidade: AVJ pode reverter; dividendos pagos não voltam.
Políticas opacas: ausência de regra para lucros não realizados aumenta risco de disputa societária.
Ata pobre: decisões sem lastro técnico/documental enfraquecem a proteção dos administradores.
A decisão do CARF reafirma a premissa: dividendos não são, por si, realização de AVJ — e não deflagram IRPJ/CSLL fora das hipóteses legais. Ao mesmo tempo, envia um recado à governança: prudência na distribuição de resultados com forte peso de ajustes não monetários. Gestão fiscal eficiente sem lastro em processo decisório diligente é risco desnecessário. O equilíbrio correto combina neutralidade tributária, liquidez preservada e transparência com sócios e credores.
Chambarelli Advogados assessora companhias abertas e fechadas em tributação de resultados, políticas de dividendos, contabilidade societária (CPC/IFRS), governança e contencioso fiscal. Atuamos de ponta a ponta: da estruturação de reservas e políticas internas à defesa em autos de infração e disputas societárias. Quer um roteiro de deliberação de dividendos com AVJ adaptado ao seu negócio? Preparamos um modelo sob medida.
27/06/2025
Guilherme Chambarelli
09/01/2024
Guilherme Chambarelli
23/08/2025
Guilherme Chambarelli
29/06/2025
Guilherme Chambarelli
18/07/2025
Guilherme Chambarelli
29/06/2025
Guilherme Chambarelli