
Cláusulas de opção de compra e venda de ações/quotas tornaram-se peças centrais em acordos de acionistas e contratos de investimento. Elas organizam saídas, entradas, reequilíbrios de controle e etapas de vesting. Justamente por serem instrumentos formativos — que podem constituir ou extinguir relações de forma unilateral —, exigem limites claros. O ordenamento brasileiro não admite exercício absoluto de direitos quando ele viola boa-fé, lealdade e confiança.
Este texto apresenta parâmetros práticos e jurídicos para reconhecer e conter o uso abusivo de opções no contexto societário, com foco em prevenção de litígios e desenho contratual.
Nos acordos de acionistas, a opção funciona como mecanismo de gatilho: ao ocorrer um evento contratualmente definido (prazo, milestone, default, deadlock, drag/tag, vesting), uma parte pode exigir a compra ou a venda de participação por preço e condições previamente estipulados ou determináveis.
Essa prerrogativa é válida — mas submetida ao sistema:
Boa-fé objetiva e confiança (arts. 113 e 422 do CC);
Proibição de abuso de direito (art. 187 do CC);
Lealdade e dever de informação nas relações societárias (arts. 115 e 117 da LSA);
Vedação ao enriquecimento sem causa e à sociedade leonina (art. 109 da LSA, direitos essenciais).
Em síntese: a autonomia contratual é ampla, não ilimitada.
Quando quem se beneficiou de determinada prática contratual muda de posição apenas para ativar uma opção em proveito próprio — por exemplo, reconhece por anos um critério de apuração de resultados e, às vésperas do exercício, altera unilateralmente políticas contábeis para reduzir o preço.
Risco jurídico: violação da confiança e da boa-fé (arts. 113, 187 e 422 do CC).
O controlador retém ou atrasa dados financeiros, orçamentários ou relatórios de compliance necessários à verificação de indicadores que determinam preço (EBITDA, net debt, working capital).
Risco jurídico: quebra do dever de lealdade (arts. 115 e 117 da LSA) e abuso de direito (art. 187 do CC).
Criação deliberada de um impasse contratual ou de um default técnico para acionar shotgun, call ou put em condições favorecidas.
Risco jurídico: aplicação do art. 129 do CC (considera-se não verificada a condição suspensiva obtida por ato da parte interessada).
Modelos que, na prática, deixam a formação do preço ao arbítrio de uma parte (ex.: controle absoluto sobre premissas contábeis ou sobre a escolha de quem calcula o preço).
Risco jurídico: nulidade parcial do mecanismo e recomposição por critério determinável, jamais discricionário.
Arquiteturas que eliminam a participação nos resultados ou suprimem o valor econômico devido ao minoritário, especialmente em saídas forçadas.
Risco jurídico: ofensa a direitos essenciais do acionista (art. 109 da LSA).
Interpretação conforme a boa-fé: integração do acordo para coibir leituras oportunistas (art. 113 do CC).
Abuso de direito: paralisação do exercício da opção quando houver desvio de finalidade (art. 187 do CC).
Condição não verificada: neutralização do gatilho provocado (art. 129 do CC).
Tutelas de urgência: suspensão do exercício, preservação de status quo, vedação de atos de diluição.
Reequilíbrio do preço: nomeação judicial/arbitral de perito ou valuation independente e compartilhado.
Produção antecipada de provas: cadeia documental contábil, trilha de decisão, e-discovery de comunicações relevantes.
Arbitragem: quando prevista, pode entregar decisão técnica e célere, com perícia financeira aprofundada.
Gatilhos e condições
Descrever eventos objetivos, com métricas e prazos de verificação.
Prever proibição expressa de provocar o evento por ato voluntário da parte beneficiária.
Preço
Usar critérios determináveis (fórmulas) e ordem de prevalência de fontes contábeis.
Vincular políticas contábeis a normas estáveis e consistentes no tempo (no cut-off e nos 24 meses anteriores).
Incluir mecanismo de true-up (ajuste pós-fechamento) e auditoria independente.
Informação e lealdade
Cláusulas de acesso contínuo a dados (data room permanente), calendários de reporting e KPIs.
Deveres de não manipulação de premissas, orçamento e provisões no período sensível.
Resolução de impasses
Cooling-off, mediação obrigatória, comitê técnico para temas contábeis.
Perito independente vinculante para laudos de preço e ajustes.
Remédios e penalidades
Cláusula antiabuso: perde-se o direito de exercer a opção em caso de dolo, fraude, manipulação ou retenção de informação material.
Multa de performance e honorários de êxito em favor da parte prejudicada, quando constatada conduta oportunista.
Governança
Calendário anual de revisão de políticas contábeis e orçamento com quorum reforçado.
Audit trail obrigatório e guarda de evidências (minutas, pareceres, fluxos de aprovação).
Deadlock sob medida: o controlador bloqueia aprovações para ativar shotgun.
Tratamento: art. 129 do CC (condição não verificada), tutela de urgência para impedir o exercício e designação de mediador técnico.
EBITDA “apertado” de última hora: mudança de provisões reduz preço do call.
Tratamento: congelamento de políticas contábeis por janela pré-opção; perito independente e true-up obrigatório.
Data room seletivo: minoritário sem acesso à base de cálculo.
Tratamento: ordem de exibição de documentos e suspensão do exercício até saneamento informacional.
Opções são essenciais para organizar o ciclo do investimento, mas não autorizam atalhos oportunistas. Quando a parte cria o gatilho, manipula o preço ou estrangula a informação, há abuso de direito, quebra de confiança e violação de deveres societários — situações que justificam neutralizar o exercício, reajustar o preço e aplicar remédios contratuais e legais.
Cláusulas bem desenhadas, com métricas auditáveis, governança informacional e mecanismos antiabuso, reduzem drasticamente a litigiosidade e preservam o valor da companhia — objetivo último de qualquer acordo de acionistas sério.
Chambarelli Advogados assessora companhias, investidores e founders em acordos de acionistas, governança, operações de M&A e contencioso societário (judicial e arbitral). Atuamos do desenho contratual à gestão de disputas complexas, com foco em prevenir abusos, proteger minoritários e preservar valor econômico.
10/07/2025
Guilherme Chambarelli
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Guilherme Chambarelli