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AVJ na virada do Lucro Real para o Presumido: quando (e se) tributar o saldo?

08/09/2025

Guilherme Chambarelli

A mudança de regime do Lucro Real para o Lucro Presumido costuma ser uma decisão de eficiência. Mas, quando há ajustes de avaliação a valor justo (AVJ) contabilizados em subconta, o movimento pode acionar um gatilho fiscal relevante: tributar imediatamente o saldo do AVJ ou aguardar a realização do ativo?
A questão voltou ao centro do debate com o Acórdão nº 1301-007.744 da 1ª Seção do CARF (publicado em 1º/07/2025).

O caso, em síntese

  • A empresa apurava IRPJ/CSLL pelo Lucro Real até 2017.

  • Em 2018, migrou para o Lucro Presumido.

  • Existia saldo de AVJ (≈ R$ 126 milhões) controlado em subconta.

  • O Fisco autuou por entender que, ao trocar o regime, a companhia deveria adicionar esse saldo na primeira base do Lucro Presumido, aplicando art. 54 da Lei 9.430/1996, art. 520 do RIR/1999 e art. 219 da IN RFB 1.700/2017.

  • A defesa sustentou que AVJ não é “valor com tributação diferida”, mas ajuste contábil que só se converte em renda tributável na realização (alienação, depreciação, amortização etc.), com apoio no art. 13 da Lei 12.973/2014 e no art. 52 da Lei 9.430/1996.

Como votou o colegiado

  • Voto vencido (relator): o AVJ não realizado não é renda disponível; não cabe a regra do art. 54 (Lei 9.430/1996). Citou precedente da CSRF (Acórdão 9101-002.553) que afasta IRPJ sobre reservas de reavaliação não realizadas na migração.

  • Voto vencedor (redator): o saldo em subconta de AVJ é valor com tributação diferida; a passagem ao Lucro Presumido rompe a lógica de realização controlada do Lucro Real (depreciação/amortização), de modo que a tributação imediata evitaria majoração artificial do custo e redução do ganho de capital futuro.

Pontos críticos da solução vencedora

1) Materialidade do IRPJ: fato gerador ficto

O art. 43 do CTN exige disponibilidade econômica ou jurídica da renda. Tributar na simples troca de regime, sem realização, antecipa o fato gerador e descola a incidência da capacidade contributiva.

2) Alcance do art. 54 (Lei 9.430/1996)

O dispositivo mira valores com tributação diferida stricto sensu (incentivos, depreciação acelerada, ajustes controlados na Parte B do LALUR). Equiparar AVJ não realizado a diferimento típico alarga a lei por via interpretativa.

3) Poder regulamentar: IN 1.700/2017

O art. 219 da IN inclui explicitamente o AVJ como diferido. Porém, instrução normativa não pode ampliar o alcance do art. 54. Há risco de extrapolação regulamentar ao transformar um ajuste contábil em evento tributável na mudança de regime.

4) Coerência com o art. 13 da Lei 12.973/2014

O caput prevê controle em subconta; o §1º condiciona a tributação do “ganho” de AVJ à realização (alienação, depreciação, amortização, exaustão ou baixa). Ler o caput isoladamente contraria a função de neutralidade do dispositivo.

5) Jurisprudência oscilante no CARF

Há decisões favoráveis e desfavoráveis sobre AVJ sem realização, o que fragiliza a premissa de que o ajuste representaria acréscimo patrimonial. A própria casuística indica divergência consolidada, o que recomenda cautela.

O que a empresa deve avaliar na prática

  1. Mapear saldos em subcontas de AVJ e sua origem (IFRS, adoção inicial, reclassificações).

  2. Simular cenários de tributação: imediata vs. na realização, com impactos em ganho de capital futuro e cash tax.

  3. Checar contratos e planos de desinvestimento: se há venda, depreciação ou baixa no horizonte, a tese da realização ganha força.

  4. Documentar a política contábil e o racional de controle do AVJ (notas explicativas, papéis de trabalho, conciliações).

  5. Monitorar contencioso: precedentes do CARF (e eventual judicialização) podem recalibrar a estratégia.

Três riscos que não podem ser ignorados

  • Autuações na migração: a leitura “tributação imediata” tende a ser adotada pela fiscalização com base na IN 1.700/2017.

  • Efeito caixa não planejado: reconhecer imposto sem realização econômica pressiona liquidez e covenants.

  • Litígio prolongado: a disputa envolve materialidade do IR e legalidade do regulamento, tema naturalmente afeito a controle judicial.

Conclusão

A leitura que tributa o AVJ na virada de regime cria um fato gerador artificial e distorce a sistemática de neutralização do art. 13 da Lei 12.973/2014. A posição do voto vencido — tributar apenas quando houver realização — é mais aderente à materialidade constitucional do IRPJ e preserva a coerência do sistema.
Enquanto não houver pacificação jurisprudencial, a gestão tributária deve ser prospectiva, com simulações, governança documental e planos de contingência para migrações de regime que envolvam saldos relevantes de AVJ.


Chambarelli Advogados assessora empresas em planejamento tributário, migração de regimes de apuração, contencioso administrativo e judicial envolvendo AVJ, neutralidade da Lei 12.973/2014 e controvérsias de IRPJ/CSLL. Atuamos para alinhar conformidade técnica e eficiência econômica, reduzindo riscos e preservando caixa.

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