
A amortização de ativos intangíveis, especialmente de marcas, tem sido um dos pontos mais tensionados na jurisprudência administrativa do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O caso envolvendo o Laboratório Bergamo e a Amgen Brasil revela o quanto o tema está enraizado na intersecção entre contabilidade societária — marcada pela adoção dos padrões internacionais (IFRS/CPCs) — e a rigidez das normas fiscais brasileiras.
A operação envolveu a aquisição do Laboratório Bergamo pela Amgen, respaldada por laudo da PwC que atribuiu valor a intangíveis como marca Bergamo, relacionamento com clientes, direitos de distribuição exclusivos e competitivos. O montante total ultrapassava R$ 67 milhões.
A fiscalização, entretanto, glosou as amortizações contabilizadas, com fundamento principalmente no artigo 325 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/1999). O dispositivo autoriza amortização apenas de ativos intangíveis com vida útil pré-determinada e confiavelmente mensurável. Para o Fisco, esses ativos — especialmente a marca e o relacionamento com clientes — constituíam atributos indissociáveis do próprio goodwill, cuja amortização é vedada pelo artigo 386 do mesmo regulamento.
No voto vencedor, a Turma Ordinária do CARF concluiu que tais elementos não poderiam ser tratados como ativos intangíveis amortizáveis, mas sim como ativos de vida útil indefinida, sujeitos apenas a teste de recuperabilidade (impairment), e não à dedução fiscal.
O CPC 04 (Ativo Intangível), alinhado às normas do IFRS, estabelece a possibilidade de amortização quando a vida útil é definida; caso contrário, aplica-se apenas o impairment. Do ponto de vista contábil, portanto, pode ser legítimo reconhecer intangíveis amortizáveis. Contudo, a legislação fiscal brasileira impõe limites mais estreitos, exigindo mensuração precisa da temporalidade.
Essa dissonância gera um campo fértil para litígios: enquanto a contabilidade moderna busca refletir a realidade econômica dos ativos, a norma tributária resiste, mantendo a vedação de amortizar valores ligados ao fundo de comércio e à marca.
A jurisprudência do CARF vem se consolidando no sentido de que marcas não são amortizáveis para fins fiscais, por não possuírem vida útil determinada. O raciocínio é que a marca, enquanto ativo que projeta a reputação e a presença no mercado, possui caráter de perpetuidade. Ainda que o laudo técnico aponte um horizonte de tempo (no caso, 108 meses), isso não altera a essência indefinida do ativo.
Essa distinção é fundamental: a diferença entre uma patente com prazo certo e uma marca de notoriedade histórica ilustra a linha tênue entre o que pode e o que não pode ser abatido do lucro tributável.
Para grupos que realizam aquisições societárias ou reorganizações, o precedente reforça um alerta:
Não basta o laudo de avaliação para sustentar a dedutibilidade fiscal da amortização de intangíveis.
O CARF tem reiterado que intangíveis ligados ao goodwill (marca, relacionamento com clientes, fundo de comércio) não se enquadram nos requisitos do art. 325 do RIR/1999.
O risco de glosa e autuação é significativo, sobretudo em operações estruturadas com vistas à redução de base tributável por meio de amortização de intangíveis.
O julgamento do CARF no caso Bergamo-Amgen reafirma a postura conservadora da Administração Tributária quanto à amortização de marcas e demais ativos intangíveis de vida útil indefinida. A divergência entre a contabilidade societária — que admite o reconhecimento de tais ativos com base em critérios de mensuração — e a norma fiscal — que exige vida útil pré-determinada e confiável — permanece sendo um dos pontos mais sensíveis na tributação de reorganizações empresariais no Brasil.
No campo prático, a mensagem é clara: a marca pode gerar valor econômico e compor balanços contábeis, mas não pode ser amortizada para efeitos fiscais. Empresas que buscam amortizar intangíveis em seus planejamentos devem ter ciência do elevado risco de questionamento, já que a linha interpretativa do CARF tende a privilegiar a rigidez do RIR frente à flexibilidade dos laudos técnicos.
10/07/2025
Guilherme Chambarelli
30/07/2025
Guilherme Chambarelli
18/08/2025
Guilherme Chambarelli
26/06/2025
Guilherme Chambarelli
30/07/2025
Guilherme Chambarelli
27/06/2025
Guilherme Chambarelli