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Receita cambial na atividade operacional e os limites do Perse

08/08/2025

Guilherme Chambarelli

A discussão sobre o alcance do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) tem exigido da Receita Federal sucessivos posicionamentos interpretativos — não apenas para delimitar quais atividades se enquadram no benefício, mas, sobretudo, para qualificar os elementos que compõem a base de cálculo da alíquota zero.

A Solução de Consulta COSIT nº 132/2025 enfrenta uma dessas zonas cinzentas: variações cambiais ativas derivadas de receitas operacionais. Ou, dito em termos práticos, a pergunta subjacente é simples: a valorização cambial de um contrato de serviço internacional pode ser considerada receita operacional, e, portanto, abarcada pelo Perse?

A resposta da Receita Federal foi direta — e negativa.

Receita operacional é uma coisa. Receita financeira, outra.

A consulente sustentava que, se a variação cambial decorre de um contrato cujo objeto é a atividade-fim da empresa, ela deveria ser tratada como extensão da própria receita operacional. Afinal, não há valorização cambial sem contrato, e não há contrato sem prestação de serviço. A premissa parece razoável. Mas o ponto de ruptura está no tratamento contábil e fiscal que o ordenamento confere às chamadas variações monetárias.

Desde a edição da Lei nº 9.718/98, há uma regra clara: variações cambiais são, por definição legal, classificadas como receitas ou despesas financeiras, ainda que derivem de direitos creditórios vinculados à operação.

A Instrução Normativa RFB nº 2.195/2024 foi ainda mais explícita: o inciso IV do §4º do art. 2º exclui do benefício do Perse todas as receitas financeiras e receitas e resultados não operacionais. Com isso, ainda que o contrato seja de prestação de serviço (atividade-fim), a valorização decorrente da oscilação cambial passa a ser irrelevante para a fruição do benefício — por força do critério classificatório legal.

O erro recorrente: confundir origem com natureza

O equívoco da consulente — e de muitos contribuintes — está em confundir a origem contratual da receita com sua natureza jurídica para fins fiscais. O que se questiona não é se a receita deriva de uma operação legítima, mas como ela é qualificada pelo sistema normativo vigente.

Se, para fins da Lei nº 9.718/98, do RIR/2018 e da própria IN RFB nº 2.195/24, as variações cambiais devem ser tratadas como receitas financeiras, então não há espaço para leitura ampliativa. E a consequência é evidente: ficam fora do Perse.

A Solução de Consulta também elimina outro argumento recorrente: o de que o lucro da exploração poderia incluir as variações cambiais, uma vez que o art. 407 do RIR/2018 menciona que tais valores devem ser considerados “na liquidação da correspondente operação”. Ocorre que esse artigo trata da base de cálculo do IRPJ em geral, não da base específica para fins de apuração do Perse — cuja estrutura é delimitada não apenas pelo Decreto, mas pelo texto específico da Lei nº 14.148/21 e suas instruções complementares.

Repercussão prática: impacto direto no setor de eventos e turismo

A resposta da Receita Federal tem impacto relevante para empresas que operam com contratos internacionais no setor de eventos e turismo. A depender do volume de receitas em moeda estrangeira, a variação cambial pode representar parcela significativa do resultado contábil.

A exclusão dessas receitas do cálculo do Perse reduz, de forma concreta, a base tributável beneficiada com alíquota zero, ainda que a empresa esteja integralmente dedicada às atividades incentivadas.

Isso exige um redimensionamento do planejamento fiscal — e, acima de tudo, uma atenção ainda mais rigorosa às práticas contábeis adotadas. Não basta operar dentro das atividades do Perse. É preciso garantir que a forma de contabilização respeite os critérios normativos vigentes.

Conclusão: limites normativos do Perse exigem cautela na apuração

A COSIT 132/2025 confirma a tendência da Receita Federal de adotar uma interpretação literal e restritiva do Perse. Ainda que isso contrarie a lógica econômica de alguns contribuintes, é essa a interpretação oficial com respaldo normativo — e válida até que o Judiciário diga o contrário.

Mais do que nunca, apurar corretamente a base beneficiada exige domínio técnico, atenção ao detalhe e alinhamento entre contabilidade, fiscal e jurídico. Não é tarefa para planilhas improvisadas nem para teses interpretativas isoladas.

A valorização cambial é legítima. Mas para o Perse, continua sendo receita financeira — e, portanto, não entra na conta do benefício.

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