
No campo das incorporações imobiliárias, o tratamento fiscal das operações de permuta sempre foi objeto de tensionamento entre Fisco e contribuintes. Mais do que um conflito semântico entre “troca” e “venda”, o que se põe em questão é o reconhecimento — ou não — de receita tributável em hipóteses de ausência de ingresso financeiro imediato.
O problema ganha densidade no Regime Especial de Tributação (RET), previsto na Lei nº 10.931/2004, cuja sistemática de pagamento unificado mensal incide sobre a receita bruta da incorporação. A dúvida, que vinha sendo levada ao Judiciário e reiteradamente decidida contra a Fazenda Nacional, diz respeito à natureza dos imóveis recebidos em permuta: haveria ali receita bruta, renda ou lucro tributável?
A Solução de Consulta COSIT nº 124/2025, publicada em 30/07/2025, afirma de modo categórico que não.
Com base nos Pareceres SEI nº 8.694/2021/ME e nº 13.369/2021/ME, aprovados pela PGFN e respaldados em jurisprudência reiterada do STJ (como nos REsp 1.928.362/SC e REsp 1.921.222/SC), a Receita Federal sedimenta a seguinte posição:
“O valor do imóvel recebido pela incorporadora nas operações de permuta imobiliária (somente com imóveis) não é considerado receita bruta para fins do pagamento mensal unificado a que está sujeita a pessoa jurídica submetida ao RET.”
A ressalva permanece, evidentemente, para as torna — parcelas pagas em dinheiro como compensação por eventual diferença de valores —, as quais devem ser oferecidas à tributação.
O centro de gravidade da discussão recai sobre a equivocada analogia entre permuta e compra e venda. A Receita acolhe a tese, hoje pacífica nos Tribunais Superiores, de que:
O art. 533 do Código Civil autoriza a aplicação das regras da compra e venda somente quando compatíveis, o que não implica equivalência automática no plano tributário;
A permuta não gera receita, faturamento ou lucro, salvo na presença de torna;
Logo, não há base de incidência para IRPJ, CSLL, PIS e COFINS — nem mesmo no regime do RET, cuja sistemática não pode prescindir da noção de receita efetiva.
A fundamentação encontra amparo direto no art. 19, § 9º, da Lei nº 10.522/2002, que permite a extensão da dispensa de recorrer a temas correlatos à jurisprudência consolidada — base normativa do Despacho PGFN nº 167/2022, que é a espinha dorsal da resposta dada na SC nº 124/2025.
Com essa manifestação formal, a Receita Federal não apenas reconhece a inaplicabilidade da tributação sobre a permuta sem torna, como também vincula sua atuação fiscal ao entendimento já adotado pela PGFN, proibindo autuações sobre o tema e afastando a incidência de juros e multas nos termos da IN RFB nº 2.058/2021.
A interpretação reafirma também a diretriz da Portaria PGFN nº 502/2016, que consagra a inércia da Fazenda Nacional em face de jurisprudência consolidada, promovendo um ciclo virtuoso de coerência institucional e previsibilidade jurídica.
A SC COSIT nº 124/2025 reflete mais do que um posicionamento técnico da Receita Federal: é a consolidação de um paradigma. Um modelo de interpretação que prioriza a substância econômica da operação em detrimento da forma contratual. Em tempos de ativismo arrecadatório e ampliação da base de cálculo tributária por presunção ou ficção, a posição oficial da Receita representa um raro momento de aderência à realidade do setor imobiliário.
Empresas optantes pelo RET passam a contar com um arcabouço normativo sólido e seguro para afastar exigências indevidas. A clareza quanto à não tributação das permutas sem torna resgata o espírito do regime especial: fomentar a atividade imobiliária sem penalizar a neutralidade econômica das trocas patrimoniais.
08/09/2025
Guilherme Chambarelli
15/07/2025
Guilherme Chambarelli
16/11/2022
Guilherme Chambarelli