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Consultas Médicas, Simples Nacional e Retenção Previdenciária

29/07/2025

Guilherme Chambarelli

A Solução de Consulta COSIT nº 42, de 2024, escancara o que há muito tempo se sabia, mas poucos queriam enfrentar: consultas médicas prestadas em regime de cessão de mão de obra não são compatíveis com o Simples Nacional e, mais do que isso, ensejam a retenção de 11% de INSS pela contratante.

Sob uma roupagem técnica, o entendimento consolida uma leitura fiscal que rompe com qualquer tentativa de blindagem tributária por meio de estruturações contratuais artificiais. O que se tem, em essência, é a recusa da Receita Federal em aceitar o argumento de que a ausência de subordinação direta inviabiliza o enquadramento como cessão de mão de obra. Não inviabiliza. Nunca inviabilizou.


Cessão de mão de obra: muito além da subordinação

O ponto central do entendimento reside no conceito legal de cessão de mão de obra, definido pelo art. 31, §3º da Lei nº 8.212/1991 e reiterado por múltiplos normativos infralegais (IN RFB nº 2.110/2022, Decreto nº 3.048/1999). De acordo com a Receita:

“Cessão de mão de obra é a colocação à disposição da empresa contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de trabalhadores que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com sua atividade fim, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.”

O termo “colocação à disposição” não exige transferência de poder de direção. Basta que o profissional atue de forma não eventual e esteja disponível ao contratante, em local físico controlado por este, para que se configure o vínculo tributário que legitima a retenção de 11% sobre o valor da nota fiscal.


Consultas médicas sob suspeita: entre o atendimento e a fiscalização

A situação analisada pela Receita envolve consultas médicas agendadas, realizadas dentro da estrutura da contratante, com materiais e espaço físico fornecidos por esta, ainda que o profissional mantenha sua autonomia técnica.

Nesse cenário, não importa o discurso contratual. Se, na prática, há um serviço contínuo prestado em dependências da contratante e com controle de agenda, a Receita considera configurada a cessão de mão de obra — e exige a retenção previdenciária prevista no art. 31 da Lei nº 8.212/1991.


A ilusão do Simples Nacional: vedação e exclusão

A consequência mais aguda do entendimento fiscal está na incompatibilidade entre esse tipo de estrutura e a opção pelo Simples Nacional.

A Receita é clara: empresas que prestam serviços de saúde mediante cessão de mão de obra não podem ser optantes do Simples, salvo se a atividade estiver incluída no Anexo IV da LC nº 123/2006 — o que não é o caso de consultas médicas, tributadas pelo Anexo III.

Assim, mesmo que regularmente inscrita, a empresa prestadora deve ser excluída do regime simplificado. E a retenção do INSS passa a ser obrigatória apenas após a exclusão formal, nos termos do art. 167 da IN RFB nº 2.110/2022.


O problema da forma sobre a substância: contratos não blindam o fato gerador

O que está em curso é a afirmação da supremacia da realidade sobre a ficção contratual. Ainda que o contrato invoque autonomia, ausência de subordinação ou natureza eventual, o que interessa ao Fisco é a materialidade do serviço prestado: se há atendimento médico regular em estrutura fornecida pela tomadora, com agendamento recorrente e continuidade, há cessão de mão de obra.

A tentativa de blindagem por meio de CNPJs individuais, contratos de prestação de serviços e cláusulas de responsabilidade técnica não resiste à análise dos elementos objetivos de configuração da relação.


Impactos práticos: riscos e providências para contratantes e prestadores

Para contratantes (tomadores de serviços médicos):

  • Avaliar se os contratos em vigor se enquadram como cessão de mão de obra;

  • Exigir o desenquadramento do Simples por parte do prestador, se for o caso;

  • Recolher a retenção de INSS apenas após a exclusão do Simples, sob pena de glosa ou dupla tributação.

Para prestadores (clínicas, cooperativas e empresas médicas):

  • Reavaliar sua estrutura de contratação e verificar a compatibilidade com o Simples Nacional;

  • Planejar a migração para regimes como o Lucro Presumido, considerando a carga tributária real;

  • Evitar estruturas artificiais que simulem autonomia onde há dependência prática.


Conclusão: a Receita fechou o cerco — e não há margem para ingenuidade

A Solução de Consulta nº 42/2024 representa mais do que uma resposta fiscal: ela dá contornos normativos a um movimento de endurecimento da Receita Federal contra terceirizações simuladas na área da saúde. Não se trata de um novo tributo ou de mudança legislativa, mas da aplicação firme da legislação existente sob o crivo da realidade dos fatos.

A zona de conforto contratual se dissolveu. O planejamento tributário precisa deixar de ser um exercício de redação criativa e passar a ser, de fato, uma estratégia de conformidade, análise de risco e gestão de contingência.

No Chambarelli Advogados, acompanhamos de perto os desdobramentos regulatórios que afetam o setor de saúde. Se sua empresa atua com serviços médicos terceirizados, é hora de reavaliar o modelo jurídico-tributário adotado. A fronteira entre economia lícita e risco fiscal nunca foi tão estreita.

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