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Criptoativos e o Mercado de Valores Mobiliários: Enquadramento jurídico dos criptoativos no Brasil

14/07/2025

Guilherme Chambarelli

Publicado em 11 de outubro de 2022, o Parecer de Orientação CVM nº 40 marca um avanço regulatório significativo ao consolidar o entendimento da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o enquadramento jurídico dos criptoativos no Brasil, especialmente quanto à sua eventual caracterização como valores mobiliários. Em um contexto de rápida evolução tecnológica e de crescente sofisticação dos instrumentos de captação de recursos, o parecer oferece segurança jurídica e maior previsibilidade para emissores, intermediários e investidores.

O Conceito de Criptoativos e a Abordagem Funcional da CVM

Para efeitos do parecer, criptoativos são definidos como ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia e armazenados em tecnologias de registro distribuído (DLTs). Essa definição não se pretende exaustiva, mas funcional, permitindo à CVM delimitar o escopo de sua atuação regulatória sem engessar o desenvolvimento tecnológico.

A CVM adota uma taxonomia funcional dos tokens com base em sua utilidade e finalidade econômica, classificando-os em:

  • Tokens de pagamento: desempenham função semelhante à de moedas (meio de troca, unidade de conta e reserva de valor);
  • Tokens de utilidade: utilizados para acessar produtos ou serviços;
  • Tokens referenciados a ativos: representam ativos tangíveis ou intangíveis, como é o caso de security tokens, NFTs e stablecoins.

A CVM deixa claro que essa classificação não é estanque. Um mesmo token pode assumir diferentes funções ao longo do tempo ou reunir características de mais de uma categoria.

Criptoativos como Valores Mobiliários

O cerne do Parecer está na possibilidade de um criptoativo ser enquadrado como valor mobiliário, sujeitando-se ao regime jurídico da Lei nº 6.385/76 e à competência regulatória da CVM. Isso ocorrerá quando:

  1. Representarem digitalmente valores mobiliários já tipificados nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei 6.385/76;
  2. Ou se enquadrarem no conceito aberto do inciso IX, como contratos de investimento coletivo.

Nesse ponto, a CVM adota o teste de Howey, originado na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, para caracterizar os elementos essenciais de um contrato de investimento coletivo:

  • Aporte de recursos;
  • Expectativa de retorno econômico;
  • Esforço de terceiros (empreendedor);
  • Oferta pública.

Sempre que um token estiver vinculado à expectativa de lucro obtido pelo esforço alheio, em um ambiente de captação junto ao público, estará potencialmente sujeito à regulação da CVM como valor mobiliário.

Transparência e Regime Informacional

A CVM reafirma seu compromisso com o princípio do “full and fair disclosure“, ou seja, a ampla e adequada divulgação de informações aos investidores. Não cabe à autarquia julgar o mérito do investimento, mas garantir que as decisões sejam tomadas com base em informações claras, precisas e completas.

O parecer recomenda a divulgação de informações sobre:

  • Os direitos conferidos aos titulares dos tokens;
  • O modelo de governança do protocolo;
  • Os mecanismos de consenso e riscos técnicos envolvidos;
  • A infraestrutura de negociação e custódia;
  • As obrigações e relações entre emissores, intermediários e investidores.

O Papel dos Intermediários e Fundos de Investimento

Intermediários que atuem na oferta ou negociação de criptoativos devem observar as normas da CVM, principalmente no que se refere à prestação de informações e à realização de due diligence. Também devem avaliar a necessidade de comunicação aos investidores sobre parcerias com prestadores de serviço que operem no ecossistema cripto.

Já os fundos de investimento, ao incorporarem criptoativos à sua carteira, devem:

  • Garantir transparência sobre os riscos associados;
  • Avaliar a fidedignidade e representatividade dos índices replicados (no caso de ETFs);
  • Observar as regras específicas constantes dos Ofícios Circulares CVM 1/2018 e 11/2018.

Sandbox Regulatório e Inovação

Com o Sandbox Regulatório (Resolução CVM 29/21), a autarquia oferece um ambiente controlado para testes de inovações tecnológicas, inclusive envolvendo tokenização de valores mobiliários. É uma demonstração concreta de que a CVM busca acomodar o novo sem abrir mão da proteção ao investidor e da integridade do mercado.

Conclusão: A Regulação como Alicerce para a Inovação Sustentável

O Parecer de Orientação CVM nº 40/2022 sinaliza um importante marco regulatório no ecossistema cripto brasileiro, ao oferecer diretrizes claras para emissores, investidores e intermediários. A abordagem pragmática da CVM reflete um modelo de regulação responsiva: ao mesmo tempo que acolhe a inovação, impõe limites e deveres fundamentais de transparência, responsabilidade e conformidade.

Com esse movimento, o Brasil avança no debate internacional sobre a regulação de criptoativos, almejando construir um mercado de capitais moderno, competitivo e seguro.

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