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Governança corporativa em empresas familiares

09/07/2025

Guilherme Chambarelli

Empresas familiares movem boa parte da economia brasileira. São negócios construídos com esforço, legado e identidade — mas que, ao longo do tempo, enfrentam um desafio central: como crescer e perpetuar o negócio sem romper com seus valores?

A resposta está na governança corporativa, que não significa engessamento da empresa, mas sim estruturação institucional das relações de poder, decisão e sucessão.

Implementar governança em uma empresa familiar é, acima de tudo, um gesto de cuidado com o futuro: dos sócios, da família e do negócio.


1. O dilema da empresa familiar: afeto, capital e conflito

Empresas familiares nascem da confiança entre parentes. E muitas vezes, crescem sem contratos, sem regras claras e com decisões centralizadas em uma única figura — geralmente o fundador.

Esse modelo pode funcionar nas primeiras décadas. Mas com a entrada de novas gerações, surgem conflitos típicos:

  • Mistura entre patrimônio da empresa e patrimônio pessoal;

  • Sócios herdeiros sem preparo técnico ou afinidade com o negócio;

  • Tomada de decisões por vínculos afetivos, não por critérios objetivos;

  • Disputas sucessórias, ausência de planejamento e quebra da continuidade empresarial.

A governança corporativa atua para evitar que laços afetivos — que inicialmente impulsionaram o negócio — se tornem o estopim para sua destruição.


2. O que é governança corporativa (na prática)?

Governança corporativa é o conjunto de regras, práticas e estruturas que orientam a gestão, a propriedade e a sucessão de uma empresa. Em empresas familiares, ela atua como um sistema de organização da convivência entre três esferas: família, propriedade e gestão.

Ela se estrutura com base em quatro pilares:

  • Transparência: informações relevantes devem circular entre sócios e herdeiros, reduzindo assimetrias de poder.

  • Equidade: todos os sócios — familiares ou não — devem ser tratados com justiça, independentemente de sua posição afetiva ou hierárquica.

  • Prestação de contas (accountability): quem ocupa cargos de gestão deve reportar seus atos, resultados e decisões.

  • Responsabilidade corporativa: decisões devem ser tomadas com visão de longo prazo, considerando a perenidade da empresa.


3. Instrumentos jurídicos da governança em empresas familiares

A implementação da governança passa por ferramentas jurídicas que formalizam regras e previnem conflitos:

a. Acordo de sócios

Estabelece regras sobre:

  • Direitos e deveres dos sócios familiares;

  • Critérios para ingresso de herdeiros na gestão;

  • Regras para venda de quotas ou ações (tag along, direito de preferência);

  • Soluções para impasses e critérios de saída (buy-sell, deadlock).

b. Protocolo familiar

Documento extrajurídico, mas com força moral e estratégica. Ele define:

  • Valores e missão da família empresária;

  • Regras de convivência entre membros familiares e empresa;

  • Critérios para ocupação de cargos;

  • Políticas de remuneração, distribuição de lucros e participação nos resultados.

c. Conselho de administração e conselho consultivo

Mesmo que a empresa ainda seja de médio porte, a criação de um conselho (com membros externos ou independentes) pode trazer:

  • Visão estratégica mais ampla;

  • Redução da centralização no fundador;

  • Profissionalização da gestão com base em metas e indicadores.

d. Holding familiar e planejamento sucessório

A constituição de uma holding permite:

  • Separação entre patrimônio pessoal e empresarial;

  • Planejamento tributário da sucessão;

  • Blindagem patrimonial contra disputas judiciais ou cônjuges;

  • Regras claras sobre herança e continuidade do negócio.


4. Governança não é sobre controle, mas sobre continuidade

Ao contrário do que muitos fundadores imaginam, implementar governança não significa perder o controle da empresa. Significa criar um ambiente mais claro, previsível e saudável para a transição de gerações.

Ela permite que:

  • Sócios saibam exatamente seu papel (e seus limites);

  • Herdeiros sejam preparados (e não apenas nomeados);

  • Gestores possam tomar decisões com segurança;

  • O fundador possa se afastar gradualmente com confiança.


5. Conclusão: tradição e estrutura podem — e devem — coexistir

Empresas familiares são fortes porque carregam valores. Mas são frágeis quando esses valores não vêm acompanhados de estrutura.

A governança corporativa é a ponte entre o legado e o futuro. Ao profissionalizar as relações, formalizar as decisões e planejar a sucessão, ela transforma histórias familiares em trajetórias empresariais longevas.

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