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Denúncia espontânea e compensação parcial

04/07/2025

Guilherme Chambarelli

Em dezembro de 2024, a Receita Federal do Brasil publicou a Solução de Consulta Interna SCI 7/2024 – COSIT, trazendo um avanço relevante — e inesperado — na interpretação do artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN). O documento reconhece a aplicabilidade da denúncia espontânea mesmo quando o débito originalmente declarado é compensado, desde que a diferença posteriormente apurada seja paga em dinheiro, antes de qualquer fiscalização.

A aparente simplicidade do entendimento esconde um divisor de águas. Trata-se de um ajuste fino que corrige uma distorção lógica e normativa no tratamento da denúncia espontânea, sobretudo nos casos de retificação de DCTF com reconhecimento de infração e pagamento da diferença com juros.


O Caso: Compensação, Retificação e Pagamento

O cenário analisado é tecnicamente instigante: o contribuinte realiza declaração de débito a menor e quita a obrigação por meio de compensação tributária. Mais tarde, em programa de conformidade cooperativa, identifica uma diferença não oferecida à tributação (juros de mora sobre repetição de indébito) e, antes de qualquer procedimento de fiscalização, retifica a DCTF e realiza o pagamento integral da diferença, com os respectivos juros de mora.

Esse movimento é, na essência, uma confissão voluntária — o típico gesto de quem, ao reconhecer a infração, se antecipa ao fisco.

A resposta da administração tributária? A negativa inicial do benefício da denúncia espontânea. Segundo a interpretação usual, a existência de compensação afastaria a “espontaneidade” e o requisito do “pagamento” previsto no art. 138 do CTN.

Contudo, a SCI 7/2024 reorienta esse entendimento.


O Destravamento do Art. 138 do CTN: Uma Leitura Sistêmica

O ponto fulcral do debate está no conceito de “pagamento” exigido pelo art. 138 do CTN. A leitura tradicional, cristalizada em soluções anteriores (como a SC COSIT nº 233/2019) e no próprio Superior Tribunal de Justiça, afirma que a compensação não substitui o pagamento para fins de denúncia espontânea. Há farta jurisprudência nesse sentido. Mas nenhuma dessas decisões enfrentava o cenário de pagamento posterior à compensação parcial.

A SCI 7/2024 rompe com a leitura literalista. Distingue os momentos. Para ela, a compensação do débito declarado originalmente não contamina a espontaneidade da denúncia sobre a parte não declarada, se esta for quitada por pagamento antes da ação fiscal.

Esse raciocínio é amparado por:

  • Interpretação sistemática do CTN (arts. 138, 156, 170);

  • Ato Declaratório PGFN nº 8/2011;

  • REsp 1.149.022/SP (representativo da controvérsia);

  • Nota Técnica COSIT nº 19/2012;

  • E, principalmente, a ratio do art. 138: incentivar o adimplemento espontâneo e evitar os custos de fiscalização.


O Que Está em Jogo: Multa Moratória e Segurança Jurídica

A consequência prática é robusta. Admitir a denúncia espontânea nesse contexto exonera o contribuinte da multa de mora, cuja incidência pode ser significativa, especialmente em contextos de juros sobre indébitos tributários reconhecidos judicialmente.

Mais do que isso, o entendimento prestigia o comportamento colaborativo, incentivado pelos programas de conformidade como o Confia, que preconizam uma relação de transparência e correção ativa entre Fisco e contribuinte.

Negar o benefício, por outro lado, premiaria o contribuinte omisso que nada declara e pune aquele que declarou parcialmente, quitou parte da obrigação e, ao perceber o erro, corrigiu-o espontaneamente.


Reflexões Finais: Uma Nova Perspectiva sobre a Denúncia Espontânea

A SCI 7/2024 merece destaque não apenas por sua resposta técnica, mas por resgatar o verdadeiro propósito do artigo 138 do CTN: promover a autorregularização e não a punição automática em situações de boa-fé.

Ao reconhecer que compensação parcial não impede a denúncia espontânea sobre o valor complementar pago em dinheiro, a Receita alinha-se a uma visão mais justa e funcional do Direito Tributário, especialmente no contexto pós-moderno de conformidade cooperativa.

Este precedente interno, embora ainda não vinculante ao contribuinte, aponta caminhos interpretativos que podem e devem ser explorados em contencioso administrativo e judicial, sobretudo nos casos em que a relação entre forma e substância exige maior equilíbrio.


Conclusão: O que você precisa saber

  • Denúncia espontânea é admitida mesmo se o valor originalmente declarado foi compensado, desde que a diferença seja quitada via pagamento antes da fiscalização.

  • Multa de mora não é devida nesse caso, desde que preenchidos os requisitos do art. 138 do CTN.

  • A SCI 7/2024 representa uma virada relevante no entendimento da Receita Federal sobre o tema.

  • Esse posicionamento fortalece a lógica de conformidade tributária e pode ser invocado em processos administrativos e judiciais.


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