
A crescente valorização da imagem de atletas profissionais impulsionou, ao longo dos últimos anos, a adoção de estruturas jurídicas que permitissem a exploração comercial desse ativo intangível. A constituição de pessoas jurídicas para centralizar contratos de cessão de direitos de imagem tornou-se uma prática recorrente no meio esportivo, sob o argumento de organização empresarial e planejamento tributário. No entanto, decisões recentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) impõem severos limites a essa estratégia, exigindo uma análise criteriosa da licitude e da forma como esses contratos são celebrados.
A natureza personalíssima do direito de imagem é ponto pacífico na jurisprudência. Trata-se de uma projeção da personalidade do indivíduo, intrinsecamente vinculada à sua identidade, cuja cessão para fins comerciais pode ocorrer, mas dentro de balizas bem definidas. Quando se trata de atletas, sobretudo jogadores de futebol, essa cessão enfrenta um escrutínio ainda mais rigoroso da Receita Federal e do CARF, sobretudo quando intermediada por pessoas jurídicas constituídas pelos próprios atletas.
No processo nº 15586.720494/2014-90, julgado em maio de 2024, o CARF reafirmou o entendimento de que os rendimentos pagos a pessoas jurídicas constituídas pelos atletas, a título de cessão de direito de imagem, devem ser tributados na pessoa física quando vinculados à sua atividade desportiva. No caso analisado, a empresa do jogador recebeu valores significativos de patrocinadores, como a Unimed, que estavam diretamente atrelados ao contrato de trabalho do atleta com o clube Fluminense. A estrutura contratual, ainda que formalmente regular, foi considerada artificial, com o único propósito de reduzir a carga tributária incidente sobre a remuneração do jogador.
A decisão destaca que a cessão do direito de imagem, quando dependente da presença ativa do atleta no clube ou da manutenção do vínculo empregatício, não pode ser desvinculada da prestação de serviços pessoais. O contrato, ainda que celebrado entre terceiros (como patrocinadores) e a pessoa jurídica do atleta, não sobrevive sem a figura do jogador em campo. Portanto, a imagem comercializada é inseparável da atuação esportiva, o que atrai a incidência do imposto de renda na pessoa física.
A tentativa de amparo legal na Lei nº 11.196/2005, que admite a tributação de serviços intelectuais por meio de pessoas jurídicas, também não se sustenta para atletas. O CARF, com base em precedentes como o acórdão nº 2301-010.055, exclui a atividade desportiva do conceito de prestação de serviços intelectuais, artísticos ou científicos. Da mesma forma, não se aplica o art. 129 dessa lei, que ampararia a tributação na pessoa jurídica se a atividade fosse enquadrável como intelectual.
A jurisprudência também afasta a aplicação da Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais) e do art. 87-A da Lei Pelé como fundamentos válidos para transferir a titularidade dos rendimentos à pessoa jurídica. A interpretação desses dispositivos é restritiva e se limita à regulação civil da imagem, não afetando a definição do sujeito passivo para fins tributários.
Outro ponto crucial levantado pelos julgados do CARF é a distinção entre a cessão do direito de uso da imagem para fins publicitários e a exploração econômica do direito de imagem por pessoa jurídica. A primeira, quando autônoma e desvinculada da atividade esportiva, pode, em tese, justificar o recebimento dos valores por meio de uma empresa. A segunda, quando integrada ao pacote remuneratório do contrato de trabalho ou à presença do atleta em campo, deve ser tributada como rendimento da pessoa física.
O reconhecimento da simulação contratual também se dá na esfera previdenciária. O acórdão nº 2301-011.302 é explícito ao afirmar que os valores pagos a título de imagem integram o salário de contribuição, quando relacionados à prestação de serviços do atleta, sendo irrelevante a roupagem contratual adotada. A jurisprudência trabalhista caminha na mesma direção, reconhecendo natureza remuneratória às parcelas pagas sob o rótulo de imagem, quando destinadas a mascarar salário.
Dessa forma, o planejamento tributário envolvendo o direito de imagem de atletas exige extrema cautela. A constituição de pessoa jurídica só se mostra juridicamente viável quando houver efetiva desvinculação entre a exploração da imagem e o vínculo laboral do atleta com o clube. Isso significa contratos autônomos, com objeto claro, contraprestações proporcionais e ausência de subordinação ao contrato de trabalho.
A jurisprudência administrativa sinaliza que mesmo a constituição de EIRELI, prevista no § 5º do art. 980-A do Código Civil (já extinta), não é garantia de blindagem tributária se a relação econômica subjacente revelar a tentativa de deslocamento indevido do sujeito passivo. É o caso, por exemplo, de empresas criadas unicamente para centralizar pagamentos de clubes ou patrocinadores sem estrutura operacional, sem atividade real e com contratos cujo cumprimento depende exclusivamente da atuação do atleta.
Em conclusão, a estruturação da exploração do direito de imagem por atletas deve ser feita com responsabilidade, transparência e substrato econômico real. A interposição de pessoa jurídica não pode ser utilizada como instrumento de dissimulação de rendimentos ou de planejamento tributário abusivo. O risco de desconsideração da personalidade jurídica, autuação fiscal e imputação de multas é concreto e amplamente respaldado na jurisprudência do CARF. A correta tributação do direito de imagem, sobretudo em contextos desportivos, exige o devido enquadramento jurídico, sob pena de responsabilização pessoal do atleta e da entidade contratante.
13/08/2024
Guilherme Chambarelli
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